15 de agosto de 2011

Parte do "Tratado sobre milhares de andorinhas"

Sempre que entro em um trem lotado a única sensação que tenho é que somos todos sardinhas. Olho ao redor e tento compreender o que eu estou fazendo ali. Isto não é vida pra mim — penso isto todos os dias. E chego a conclusão: isto não é vida para ninguém! E quase todos aceitam estas situações como se fossem pré-destinados a terem de sofrer. Os únicos barulhos são: o do ferro contra o ferro numa batalha sem fim e o do motor que faz esta crueldade perdurar. A maioria das pessoas estão em pé há pelo menos quarenta minutos e para muitos este é o segundo ou terceiro transporte que utilizam para voltar para casa. Olho em volta, todas elas estão cabisbaixas com seus olhares exaustos e distantes como se já tivessem perdidos suas vidas a muito tempo atrás — mas não pensavam mais. Não se lembravam como era uma vida; ela se perdera em algum tempo ou nunca existira. Como elas estavam? Tão cansadas e espremidas como eu, onde quem se meche perde até o lugar de se por o pé. Quem somos nós? Vocês não sabem por que nós não existimos? Porque se existíssemos nós teríamos no mínimo, um meio de transporte mais decente. A verdadeira sensação que tenho neste momento, em plena sinestesia com as pessoas deste vagão — ou lata — que estão abarrotadas e em pé, é que todos temos uma só certeza: NÃO SOMOS NADA!

Procuro algo mais para pensar, não posso me deixar morrer aqui dentro, este barulho do trem, este barulho deve ser uma espécie de musica para levarem meus pensamentos daqui, tenho que pensar e imagino o trem como se fosse um filme em três dimensões. Eles abrem a porta — “play” — entra e sai sardinha. Eles fecham a porta — “pausa”. Entre uma estação e outra, pouca conversa, quase nenhum leitor, muitas cabeças abaixadas, muitos olhares deprimentes, na face uma estampa de cansaço e dor; e tudo muito perceptível. As ancas arriadas de tanto trabalho, baixa estima para todo lado. Idosos em pé depois de um exaustivo dia de trabalho. Um ou outro sorrindo pra não chorar. Este é o filme de milhares de pessoas... das pessoas que não existem; este é o meu filme.

Na rua, se você quiser reparar em alguma coisa, observe as pessoas: a maioria andam a pé e necessitam exclusivamente do transporte público. Procure se informar; é tão verdade que só quem não quer ver não enxerga. Não adianta procurar pessoas andando na vinte e três de maio, ou na avenida Brasil, ou qualquer região classe média ou alta. Digo mesmo! É na periferia ou nas cidades dormitórios como Mauá, que estas coisas existem. Em Mauá existe até uma associação de bicicletas que fica em baixo da passarela, no centro. São em média mil e quinhentas bicicletas que circulam por dia só na associação. Agora pensem comigo: se existem tantas bicicletas numa associação, imagina o número de pessoas que usam este meio de transporte direto para seu emprego?! Agora imagina a quantidade imensa de gente voltando a pé?! São nove horas agüentando um trabalho cansativo — em pé. Três horas de condução lotada, na maioria das vezes — em pé. O caminho para casa — a pé! Gostaria que essas pessoas tivessem uma mentalidade para a preservação ambiental, mas infelizmente apenas os excluídos se arriscam tanto em bicicletas num transito caótico aonde quem é o maior manda mais, ou invés de quem é o maior respeita mais...

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